segunda-feira, 10 de março de 2014


Nesta Quaresma aprende a ser pobre

Uma das bem-aventuranças de Jesus, que no Evangelho de Mateus é a primeira (5, 3), diz: «Bem-aventurados os pobres em espírito porque é deles o Reino de Deus».

Uma bem-aventurança é um horizonte. A nossa vida precisa de horizonte. Às vezes parece que a nossa existência acaba nos nossos sapatos, que é a única coisa que vemos quando se tem a cabeça virada para baixo. Não nascemos para viver a olhar para os sapatos, mas para o futuro. Precisamos de sentir que há um projeto, que somos projetados mais além, que tudo não acaba aqui e agora, que o que fazemos não acaba numa tarefa mas é um diálogo com o que está mais longe.

O que por vezes nos sufoca é o ar pesado de uma vida fechada em si mesma. Como se vivêssemos num quarto a vida toda com as janelas fechadas sem nunca entrar o ar. Pensar nas grandes questões, no que dá sentido à vida. E é neste contexto que se situam as bem-aventuranças que Jesus oferece.

«Bem-aventurados os pobres em espírito porque é deles o Reino de Deus». Antes de tudo, a pobreza é uma atitude espiritual, interior. Não estamos a falar de economia. A pobreza é uma atitude do coração, voluntária, ao passo que a pobreza económica vem de fora e pode ser uma imposição, como acontece com o desemprego, que é uma catástrofe. Mas no Evangelho fala-se de outra pobreza, que é uma escolha, que nos vem de dentro, um estilo de vida, uma maneira de estar e de reagir, uma forma de nos situarmos neste jogo que é a vida.


Eu posso colocar-me como não precisando de nada nem de ninguém, posso colocar-me numa perspetiva completamente autossuficiente, blindada, impermeabilizada, ou posso escolher a pobreza, ou seja, viver numa atitude de humildade, necessidade, encontro, busca da complementaridade dos outros, sabendo sempre qual é o meu lugar.

A pobreza liga-se a uma longa tradição na espiritualidade cristã que é a infância espiritual. Muitos santos propõem-na no caminho da ascese, de subida para Deus. Temos de envelhecer com esta criança interior, não perdendo a inocência, a simplicidade, a capacidade de se sentir pequenino, e tudo isto não ser uma coisa que nos destrói, mas ser a fonte da nossa alegria, a fonte da nossa esperança.

A infância espiritual não é uma infantilização da vida, não é um fazer de conta, não é desresponsabilizar a existência. É fazer uma opção por viver na confiança e na abertura, duas dimensões que precisamos de trabalhar. Viver na confiança quer dizer viver com fé, espalhando-a a tudo, às relações com os outros, à vida, ao que somos.

Estamos num tempo que nos coloca de pé atrás com a vida, com o quadro social, com o futuro, embora estas inquietações nos levem a perguntar onde é que tínhamos colocado a nossa confiança. Temos de saber em quem e onde colocamos a confiança, que não depende da Bolsa de cada dia.

O coração pobre vive na abertura, não se fecha, não se tranca, vive na atenção, na vigilância, na espera, na disponibilidade. Quando andamos com uma criança pela mão, sabemos para onde queremos ir, o que muitas vezes nos impede de apreciar o caminho. Uma criança sabe que vai a algum lado, mas também sabe que está acompanhada, o que lhe dá uma grande liberdade de coração, e vai disponível para apreciar os detalhes da vida. Por vezes temos de a puxar porque ela fica agarrada a uma flor, a um animal, a qualquer coisa que saltou no meio da paisagem.

Se nos perguntarem «hoje, o que é que te tocou?», ficamos por vezes sem saber o que responder, porque nada nos tocou. Vivemos muita coisa mas nada nos tocou. Porquê? E somos capazes de viver assim durante dias, semanas e meses.

Falta-nos a disponibilidade de entrarmos em diálogo, de sermos simples, de aprendermos como as crianças, que quando dão a mão a alguém têm o coração e o espírito livre para saborear o caminho, que para elas não é, como para nós, um corredor noturno e sonâmbulo em que só se vê uma coisa: a meta. E quem só vê a meta, não caminha.

«Agradece a quem quer que venha, porque cada um foi enviado como um guia do Além.» Agradecer, agradecer, agradecer. É esta a pobreza de coração. É estar grato por aquilo que vem, que brota, que germina.

 

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