sábado, 8 de março de 2014

I domingo da Quaresma Imprimir e-mail
Ano A
Mt 4,1-11
9 março 2014
de ENZO BIANCHI
 
 

O primeiro domingo da Quaresma apresenta-nos em cada ano litúrgico a narração das tentações de Jesus. Jesus foi  tentado pelo demónio, desde o seu nascimento até à sua morte, como qualquer outro ser humano, frágil, débil, mortal  (cf. Heb 4,15). Mas, neste caso, o Evangelista procura sintetizar num só quadro a relação entre Jesus e o demónio, resumindo em três tentações todas as outras vividas por Jesus, de acordo com um esquema já conhecido de Israel e presente no Antigo Testamento. Um esquema que, para lá do que dele se possa dizer, corresponde àquilo que as ciências humanas, hoje, dizem das paixões, das libidines fundamentais, presentes em cada pessoa. 
A humanidade, representada por Adão e Eva, foi tentada pelo diabo através de um "fruto" que tem significado, não por aquilo que é, mas pelo poder que exerce: "vendo... que o fruto da árvore devia ser bom para comer...", libido amandi, “...de atraente aspeto”, libido possidendi, “...precioso para esclarecer a inteligência”, libido dominandi (Gen 3,6). E, assim, enganada pela sedução da antiga serpente - o adversário, o demónio, Satanás, o príncipe deste mundo - a humanidade aceita ser tentada e conhece o mal e as suas consequências (cf. Gen 3,7). As mesmas seduções repetem-se no deserto de Israel, ao povo de Deus, que, também neste caso, cedeu às tentações.
Mas eis que aparece Jesus, o novo Adão e o primeiro crente do novo povo de Deus. Jesus Homem e Filho de Deus que, depois do batismo e da proclamação do Pai da sua qualidade de Filho (cf. Mt 3,17), vai para o deserto, empurrado pelo Espírito Santo, consciente de ser o Filho de Deus. Naquele horrível lugar de solidão, de pobreza e também de fome, Jesus podia aproveitar a sua condição de Filho em benefício pessoal, pensando em si mesmo e não em Deus de quem vinha a sua identidade, nem nos homens por quem Deus O enviara ao mundo.  
O tentador poderoso e, por isso, demónio (munido de força), está no deserto para pôr Jesus à prova que, como homem, experimenta em si as tentações comuns a cada pessoa: viver a qualquer preço, nem que seja recorrendo ao milagre fácil de transformar as pedras em pão.  Procedendo assim verificaria se possuía ou não aquela identidade que o Pai lhe havia revelado durante o seu batismo e saciaria a sua fome. Sendo capaz de transformar as pedras em pão, poderia oferecer pão a todos e ser facilmente aclamado Messias, rei político, capaz de dominar Israel.  Mas Jesus resiste a esta tentação: obedece ao pai, permanece-lhe submisso e, se o Pai o enviou ao mundo na fragilidade da carne, Ele deve-Lhe obediência ao ponto de poder parecer um "Messias ao contrário", débil, fraco. Ele veio trazer, não o pão material, mas o pão da Palavra de Deus (cf. Dt 8,3), verdadeiramente necessário para vivermos como Filhos de Deus.
 Segue-se um outro exemplo das tentações a que foi submetido, um outro milagre ainda mais impressionante. Se Jesus é de facto o Filho de Deus pode manifestá-lo através de uma extraordinária aparição: lançar-se-á do cimo do Templo e, segundo o Salmo, será salvo pelos anjos (cf. Sal 91,11-12), não caindo nem se esfacelando sobre os muros de Jerusalém.  Será uma prova irrefutável, o milagre será divulgado e todos acreditarão n'Ele. Jesus não vê esta tentação dirigida apenas a si, mas também ao próprio Deus.  Por isso renuncia-lhe, obedecendo à vontade de Deus e ao seu mandamento: "Não tenteis o Senhor vosso Deus" (Dt 6,16).
E eis, por fim, a última, o expoente das tentações. O demónio leva-O até ao alto de uma montanha de onde pode ver todas as riquezas da terra: bens, cidades, reinos em toda a sua glória... se adorasse o demónio e se se prostrasse diante do que o representa – o dinheiro (mamôn), o poder, a pompa, o luxo, os reinos deste mundo, tudo isso seria seu.  Mas, também aqui, Jesus se mostra vencedor: como homem, permanece em adoração a Deus (cf. Dt 6,13), obedece apenas a Deus e repudia todos os poderes mundanos. 
A sua via messiânica é outra: não viver protegendo-se, sem os outros e contra os outros, não fazer gestos maravilhosos que surpreendem, não querer o poder deste mundo. É a via de um Messias, pobre, humilde, tranquilo, até ser crucificado na infâmia. Jesus tudo espera de Deus e apenas de Deus. 
Enzo Bianchi

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