Padre Lombardi: uma decisão de grande coragem e sinceridade

Entrevista coletiva sobre renúncia do papa: decisão coerente com o livro 'Luz do Mundo


No próximo dia 28 de fevereiro, às 20 horas de Roma, o papado entrará em sede vacante. A notícia oficializada hoje durante o consistório surpreendeu o planeta: Bento XVI anunciou que, “por não ter mais a força necessária”, renuncia ao pontificado.


A inesperada declaração, feita em latim e lida pelo papa entre 11h30 e 11h40 desta manhã, foi ouvida com grande atenção pelos cardeais reunidos no consistório. O texto está disponível na página do Vaticano.
Bento XVI se transferirá inicialmente para Castel Gandolfo e, depois, durante o conclave, passará a residir em um convento na Colina Vaticana, dentro dos muros do pequeno país. Bento XVI não participará no conclave que se realizará em março e que elegerá o próximo papa.
“O papa permanecerá na plenitude das suas funções até 28 de janeiro, às 20 horas [de Roma]. A partir daquele momento, teremos sede vacante”, confirmou o porta-voz, esclarecendo que não restam dúvidas quanto ao fato da renúncia: Bento XVI renunciou “de modo válido, previsto pelo direito canônico”.
A renúncia do pontífice “é coerente com o que o papa afirmou no livro-entrevista ‘Luz do Mundo’ sobre a hipótese de renunciar”, prossegue Lombardi. Naquela entrevista, Bento XVI declarou que é necessário enfrentar os grandes perigos: “Este não é o momento de renunciar, mas de enfrentar”, afirmou ele, referindo-se então, como agora explica Lombardi, a “um momento muito difícil na Igreja por causa dos casos de pedofilia. (...) Mas, na segunda pergunta do mesmo livro, o papa respondeu claramente que é possível renunciar quando não é mais possível continuar”. Tal tipo de situação inclui aquelas em que o papa considera oportuno renunciar por não estar mais em condições físicas adequadas. Nesses casos, chega a ser cogitada inclusive a “obrigação moral” de se apresentar a renúncia.
O cardeal Angelo Sodano fez em italiano um discurso comovido, em que declarou, falando diretamente a Bento XVI: “Escutamos Vossa Santidade quase incrédulos”. Em nome do colégio cardinalício, Sodano disse ao papa que "estamos próximos, como estivemos durante esses oito anos do pontificado”. Sodano recordou que, em 2005, perguntou ao então cardeal Ratzinger se ele aceitava a eleição para pontífice e ele “aceitou confiando em Maria, Mãe da Igreja”, dizendo sim “na estela da continuidade”. Sempre voltando-se ao papa, Sodano afirmou ainda: “Antes de 28 de fevereiro, teremos possibilidades de expressar melhor os nossos sentimentos”.
“A casinha onde o papa vai viver já foi sede da diretoria administrativa da Rádio Vaticano e depois se tornou um convento de clausura, por vontade de João Paulo II”, informa o porta-voz Lombardi, que prossegue, falando sobre o discurso de Sodano: “Acredito que o cardeal Sodano tinha ficado sabendo algumas horas antes e estava preparado. Ele tinha algumas anotações, mas o discurso teve muito de espontâneo”.
Por que a renúncia está definida para as 20 horas do dia 28? “Existem diversos fusos horários, e esta é uma decisão que afeta a Igreja inteira. Acredito que o horário se refere ao final da jornada de trabalho em Roma”.
“Não há nenhuma doença que influencia esse tipo de decisão e ele diz muito claramente, na sua grande honestidade, que nos últimos meses foi diminuindo o vigor do corpo e da alma, que não permite mais a realização deste santo ministério”.
“Coragem e grande sinceridade”
ZENIT perguntou ao porta-voz do Vaticano em que momento ele soube da renúncia e o que pensou a respeito.
“Eu sempre mantive na mente as respostas dadas pelo papa no seu livro. A atenção dele focava na avaliação das condições físicas e espirituais, ou melhor, de ânimo, e não especificamente espirituais, porque estas são altíssimas. Eu não me surpreendi, porque ele tinha dito que ria avaliar as suas forças. Era um pensamento que estava sendo levado em conta”.
“Sempre notei nele uma grande presença e capacidade espiritual de encarar os compromissos, que eram elevados e intensos para uma pessoa da idade dele. Mas, é claro, eu o achava longe da situação de dizer isso”.
“Era uma decisão que ele se reservava o direito de tomar diante de Deus, considerando a sua idade e disposições. Estou admirado com a sua sinceridade e com a lucidez das suas palavras. Foi uma surpresa hoje, sim, apesar de que eu achava claro que o papa pudesse pensar nisso, já que ele mesmo tinha falado disso no livro-entrevista”.
João Paulo II legou o testemunho de um papa que sofreu a enfermidade até o final. Bento XVI lega o testemunho da sua consciência perante Deus e da decisão de agir conforme considera mais adequado para o bem da Igreja. Ele não disse que os próximos papas devam tomar uma decisão igual à dele: esta renúncia não é uma decisão vinculante para os papas futuros.
Até 28 de fevereiro, ainda teremos audiências e ângelus: serão grandes ocasiões para os participantes manifestarem o seu afeto pelo Santo Padre.